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Copa vai pautar ações sociais dos 10 anos da missão do Exército no Haiti

No ano em que o Brasil receberá a competição mais importante de futebol do mundo, 1,2 mil brasileiros fardados terão de acompanhar à distância o desempenho da nação dentro e fora dos campos. Às vésperas de o país iniciar a luta pelo título da Copa do Mundo dentro de casa, tropas do Exército estarão fora, na celebração dos 10 anos da polêmica missão de paz no Haiti. Na semana passada, o coronel Anisio David de Oliveira Junior assumiu o comando dos militares no país caribenho e seguirá à frente do efetivo em 2014. Em entrevista ao G1, o oficial falou sobre a iminência de conflitos no período por conta da eleição haitiana prevista para janeiro e adiantou que pretende aproveitar o ensejo da Copa para criar ações sociais voltadas para o esporte.
“O Cafu está interessado em participar, em dar uma força para a gente, fazer uma escolinha de futebol. A gente vai viver uma véspera de Copa do Mundo e pode aproveitar o futebol para fortalecer ações na área esportiva para aumentar a inclusão social”, disse o coronel durante o último encontro, em Campinas, da tropa que ele comandará no Haiti.
Coronel Anisio David de Oliveira Junior assume em dezembro como comandante das tropas brasileiras no Haiti (Foto: Lana Torres / G1)Coronel Anisio David de Oliveira Junior no último contato com tropa em Campinas  (Foto: Lana Torres / G1)
Nascido no Ceará, o militar afirma que a peculiaridade dele no comando das tropas deve ser justamente o engajamento em levar ao país novos projetos sociais. Coronel David também comentou as críticas que a Missão das Nações Unidas para Estabilização no Haiti (Minustah) tem recebido justamente por ter-se estendido por tanto tempo e falou ainda sobre o treinamento tático específico dos soldados diante dos recentes confrontos ocorridos na capital Porto Príncipe.
A seguir, os principais trechos da conversa com o militar
G1 - O senhor assume como comandante das tropas brasileiras no Haiti em dezembro. Qual será o seu perfil de comando?
Coronel David - O Exército trabalha com uma continuidade muito grande. Os comandantes que estão lá, eles fizeram um trabalho excepcional. Minha responsabilidade é manter, dar continuidade ao que eles estavam fazendo. Mas eu tenho algumas peculiaridades. Agora mesmo eu estava em contato com algumas organizações não governamentais de lá, já tratando com eles algumas ações que nós vamos procurar realizar lá, de capacitação de pessoal, ligada à parte de meio-ambiente. Então, eu quero fortalecer ainda mais essas ações que já estão sendo feitas, essas ações ligadas à parte social.
Quando nosso comandante, em 2004, disse 'Nós precisamos ir ao Haiti!', eu escutei aquilo e disse: 'Onde é que é o Haiti?'. [risos] A partir daí, a gente começou a estudar um pouco o país"
Coronel David, novo comandante do pelotão brasileito na missão de paz do Haiti
G1 - Alguma nova ação social em especial que o senhor possa adiantar?
Coronel David - Olha, teve a vinda do Cafu aqui. O Cafu está interessado em participar, em dar uma força para a gente, fazer uma escolinha de futebol. Ele está interessado em aproveitar esse momento de Copa. A gente vai viver uma véspera de Copa do Mundo e pode aproveitar o futebol e o mote também de o Brasil ser sede de uma Olimpíada logo em seguida para fortalecer ações na área esportiva para aumentar a inclusão social, para aumentar a capacitação de pessoal. Então, dentro desse viés, a gente pretende continuar o que está sendo feito lá e talvez estimular outras.
G1 - De que forma e em que medida o senhor acompanha a situação política e social no Haiti?
Coronel David -
 Quando nosso comandante, em 2004, disse “Nós precisamos ir ao Haiti!”, eu escutei aquilo e disse: “Onde é que é o Haiti?”. [risos] A partir daí, a gente começou a estudar um pouco o país, àquela época 2004, 2005 e 2006, eu acompanhei. Agora, quando eu fui designado para comandar a missão, há um ano atrás, eu comecei a receber os relatórios feitos no Haiti diariamente pela ONU e pela tropa. Então, diariamente eu tenho contato com isso. Estou há praticamente um ano vivendo a situação do Haiti. Isso de alguma maneira traz um conhecimento interessante para a gente. Mas nada substitui o que a gente vai fazer lá, que é ir ao terreno, chegar lá, conhecer, estreitar o contato, acompanhar as patrulhas. Isso é a parte mais gostosa, ir ao campo.
G1 - O senhor deverá ir a campo ou seu trabalho vai se restringir a questões administrativas?
Coronel David - 
Sempre que eu puder fugir da parte administrativa e ir para o campo, eu vou. Cada um tem uma característica e eu, sempre que eu posso ficar na parte que a gente se diverte mais, que é a parte de campo, de patrulha, de participar das ações, eu fico. Porque o soldado gosta mais é disso.
Exército de Campinas treina 'tropa de choque' para eventuais confrontos no Haiti (Foto: Lana Torres / G1)Treinamento da 'Tropa de choque' do Exército que
é usada em conflitos (Foto: Lana Torres / G1)
G1 - A Minustah divulgou comunicado em novembro mencionando “profunda preocupação” com recentes confrontos e onda de violência no país, que vive a iminência de uma disputa eleitoral. O que o senhor espera desse período?
Coronel David -
 Nós imaginamos que esse período eleitoral pode ser um período mais tenso e nós nos preparamos para isso. No nosso treinamento, nós demos ênfase para esse tipo de atividade. Antes da eleição, nós vamos treinar bastante, vamos acompanhar e isso vai fortalecer muito a ação dessa garotada lá porque a gente já vai treinar imitando o combate, imitando a situação. Eu acredito que pela ação forte deles [soldados], a presença principalmente, a tendência é de inibir maiores conflitos. Mas nós estamos preparados para isso.
G1 - Mas haverá alguma mudança de estratégia para prevenir confrontos?
Coronel David -
 Visando essa situação [pré eleição], a gente tem que intensificar esse tipo de ação. Mas não só essa ação, a ação também de ir à comunidade, de participar, porque isso tudo, de alguma forma, traz conhecimento, traz informação pra tropa. Eu acho que esse contato, esse dia a dia, por si só, ele já dá uma acalmada na situação. De alguma forma, a gente faz um pouco isso, em menores proporções, aqui, quando o Exército atua em apoio à eleição no Nordeste, principalmente, e na Amazônia. Eu tive a oportunidade agora de participar de duas eleições da Amazônia com tropa nossa espalhada na Amazônia inteira. É interessante, há situações de confronto em que a tropa de alguma forma consegue minimizar pela própria presença e, às vezes, por alguma ação mais enérgica, prendendo um aqui outro lá.
O Exército vai trabalhar com essa perspectiva [de retirada] porque o ideal da missão de paz é que as instituições se fortaleçam e, a exemplo do que ocorreu em Angola, a tropa retorne."
Coronel David, novo comandante das tropas no Haiti
G1 - Qual a opinião do senhor com relação à retirada das tropas brasileiras do Haiti? O Exército já trabalha com alguma projeção para deixar o Haiti?
Coronel David - 
O Exército vai trabalhar com essa perspectiva [de retirada] porque o ideal da missão de paz é que as instituições se fortaleçam e, a exemplo do que ocorreu em Angola, a tropa retorne. O tempo exato quem vai ditar vai ser uma ação da ONU com o governo brasileiro, que de alguma forma já está sendo tratada nesse nível político. O ministro das Relações Exteriores [Luiz Alberto Figueiredo]  está indo para o Haiti para fazer avaliações nesse sentido.
Então, é uma decisão que cabe num nível político. No nosso nível, que é o nível tático e operacional, é executar o que está sendo feito. Eu vou ter uma capacidade de avaliar um pouco melhor quando eu estiver no terreno. Mas eu acredito que será para 2016, pelo menos é que os discursos da representante da secretaria geral na ONU, o primeiro-ministro também quando esteve em Nova York, na ONU, o seu discurso sinaliza para isso, para que, a partir de 2016, haja um enxugamento da Minustah. É essa a ideia. Nós já diminuímos agora um pouco da nossa tropa, a de engenharia. Eu imagino em torno de 70 homens. É uma ação que já vai ser adotada.
G1 - O que o brasileiro e a instituição ganham por ter o Exército em uma missão como a do Haiti?
Coronel David - 
Eu acredito que quem ganha mais com isso tudo é o país do que o próprio Exército. O Exército ganha muito: treinamento da parte operacional, know how, a gente tem a capacidade de trabalhar com outras nações, outros exércitos, o intercâmbio vendo como outros trabalham, isso tudo é um somatório pra gente. Mas eu acredito que o maior ganho é do país como um todo, de mobilizar sua sociedade, de se apresentar ao mundo como alguém apto a fazer um determinado tipo de trabalho, que é um trabalho bastante peculiar. Então, eu acredito que há um ganho operacional, um ganho logístico, com os treinamentos do Exército, mas eu acho que o ganho maior é para a nação. E isso pensando de uma forma intermediária. Se a gente pensar de uma maneira maior quem está ganhando é o mundo.
G1 - Participar de uma ação com tanta visibilidade como esta é também estratégico do ponto de vista de trabalhar a imagem do Exército junto à população?
Coronel David -
 Qual é a sensação que eu tenho? Quem vê o Exercito trabalhando ou quem vê as forças armadas nossas trabalhando, ela admira. Então, é uma oportunidade de a gente apresentar este tipo de trabalho, uma capacidade que a gente tem. Mas, não sei se pela situação que eu estava vivendo lá no Nordeste e na Amazônia, a gente está sempre fazendo este tipo de trabalho. A população está muito junto, se sente muito segura, muito apoiada com isso. Então, é uma oportunidade a mais? Sim, é uma oportunidade a mais. Mas eu acredito que ela não desequilibra pelo que as forças armadas já têm, de conquistas. As últimas pesquisas de opinião são extremamente favoráveis.
Militares se despedem de familiares em base do Exército no Aeroporto de Guarulhos (Foto: Lana Torres/G1)Militares embarcam em São Paulo para substituir tropa que voltou do Haiti este ano (Foto: Lana Torres/G1)
G1 - O senhor estará à frente da missão no ano em que ela completa dez anos da sua criação...
Coronel David -
 Sim, nós estaremos comemorando lá.
G1 - Há quem comemore, mas também existe uma corrente que critica a interferência do Brasil e da ONU no país. O senhor está preparado para responder às colocações que podem vir com esta data emblemática?
Coronel David - Nós vivemos em uma situação de democracia, cada um tem que ter uma opinião. E este debate, ele constrói uma solução melhor. Eu acho que nós vamos comemorar lá a presença do Brasil. Tanto que, como o haitiano vê o brasileiro hoje? Poxa, isso não é uma vitória? A gente ter ajudado tanto aquele povo? Então, eu vejo isso como motivo de comemoração. Nós vamos de fato comemorar lá. São dez anos da nossa presença no Haiti. A maneira que o haitiano se sente com o brasileiro, de se sentir apoiado, se sentir protegido, ele se sentiu ajudado, é motivo de orgulho para todos nós.
Independente da visão que se tenha do problema, a parte humanitária é algo impensável de a gente questionar. (...) Tem gente que ajuda o vizinho, tem gente que não. Isso é um reflexo da nossa vida. Tem camarada que se cair a parede do vizinho ali, ele diz: 'Não é comigo!'. Mas essa não é a característica do brasileiro."
Coronel David, novo comandante do pelotão brasileito na missão de paz do Haiti
Independente da parte política, só a parte humanitária do evento é um motivo de orgulho. Independente da visão que se tenha do problema, essa parte humanitária é algo impensável de a gente questionar. Principalmente quando houve o terremoto. Por que o Brasil se saiu tão bem no apoio ao terremoto? Porque já estava lá, porque já conhecia. Tudo isso foi um somatório de experiência que possibilitou o Brasil fazer esse trabalho brilhante que tem feito lá.
Eu acho que quando a gente vai ao Haiti e conversa com o pessoal lá, esses questionamentos desaparecem. A não ser que a pessoa tenha um pré-posicionamento e ache que não pode de maneira nenhuma [intervir]. Tem gente que é contra as Nações Unidas, acha que cada um tem que resolver o seu problema. Tem gente que ajuda o vizinho, tem gente que não. Isso é um reflexo da nossa vida. Tem camarada que se cair a parede do vizinho ali, ele diz: “Não é comigo!”. Mas essa não é a característica do brasileiro. Nossa característica é participar, ajudar. Então acho que a gente está passando de maneira internacional o que a gente faz no dia a dia.

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