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Como as criptomoedas estão fortalecendo organizações criminosas transnacionais e países da América Latina - créditos Diálogo - Revista Militar Digital - SouthCom

Como as criptomoedas estão fortalecendo organizações criminosas transnacionais e países da América Latina  



Pessoas usam a criptomoeda Chivo, do governo salvadorenho, para fazer suas transações financeiras em San Salvador, em 26 de janeiro de 2022. (Foto: Marvin Recinos/AFP)



Por *Celina Realuyo
Março 11, 2022

Durante a pandemia da COVID-19, a vida como a conhecemos mudou drasticamente à medida que as atividades, tanto lícitas quanto ilícitas, se mudaram para o mundo virtual. Testemunhamos compras, aulas universitárias, reuniões diplomáticas, transações financeiras e atividades do crime organizado que passaram a ser realizadas online quase da noite para o dia. A pandemia permitiu que organizações criminosas transnacionais (OCT) estabelecessem novos mercados virtuais para seu tráfico de drogas, pessoas, armas e contrabando, bem como para a lavagem de dinheiro com o uso de criptomoedas.

Em 2021, as criptomoedas se tornaram a corrente dominante, pois cada vez mais consumidores as utilizam para pagar bens e serviços e investir milhões em Bitcoin, Ethereum, Dogecoin e outras moedas virtuais que atingiram uma capitalização total de mercado de cerca de US$ 2,2 trilhões em setembro. Uma criptomoeda é um meio de troca que é digital, criptografado, descentralizado e não regulamentado, ao contrário do dólar dos EUA ou do euro. Até mesmo os próprios governos estão explorando a possível emissão de moedas digitais de seus bancos centrais ou dinheiro digital. O regime venezuelano emitiu sua própria criptomoeda, o petro, em 2018, supostamente apoiada pelas reservas de petróleo e minerais do país, e El Salvador tornou-se o primeiro país a adotar o Bitcoin como moeda com curso legal, em setembro de 2021.

As OCT se voltam para o crime cibernético e as criptomoedas

Apesar de toda a excitação, as criptomoedas têm sido exploradas pelo lado obscuro da globalização. O anonimato e a portabilidade das criptomoedas as tornam atraentes para grupos criminosos, organizações terroristas e países desonestos. Os criminosos têm manchado o nome do Bitcoin desde sua criação, com mercados infames das darknets, como a Rota da Seda, que vendia narcóticos, armas e pornografia infantil, dominando as manchetes sobres as criptomoedas em seus primórdios. Durante a última década, as OCT se voltaram cada vez mais para o ciberespaço e criptomoedas para expandir seu tráfico de drogas, armas e pessoas e lavar o dinheiro de seus rendimentos em toda a América Latina. Elas também se envolveram mais em crimes cibernéticos, fraudes e pedidos de resgates que são difíceis de serem detectados e combatidos pelas autoridades. De acordo com a Administração Federal Antidrogas dos EUA (DEA, em inglês), tanto as OCT mexicanas como as colombianas têm aumentado o uso de moedas virtuais para lavar seus lucros ilícitos, devido ao anonimato e à velocidade das transações que elas podem pagar. Essa evolução online se acelerou devido à pandemia da COVID-19, pois as OCT na América Latina se tornaram mais ativas e dependentes do ciberespaço.

O Departamento do Tesouro dos EUA designou a quadrilha latino-americana Mara Salvatrucha (MS-13) como uma organização criminosa transnacional em 2008. (Foto: Michael Johnson/Departamento de Imigração e Controle de Fronteiras dos EUA)

Um dos primeiros casos detectados de lavagem de dinheiro através de criptomoedas foi em abril de 2018, quando a Guarda Civil espanhola desmantelou uma estrutura criminosa dedicada ao tráfico de cocaína que comprou bitcoins com rendimentos ilegais e enviou o dinheiro “legalizado” para contas na Colômbia. O grupo utilizou um total de 174 contas bancárias para lavar US$ 9,3 milhões. Em outro caso, em abril de 2019, agentes do Departamento de Investigação sobre Narcóticos do Brasil prenderam um criminoso que dirigia uma operação de mineração de criptomoedas em Porto Alegre e apreenderam 25 máquinas de mineração de criptomoedas, que operavam 24 horas por dia e estavam avaliadas em aproximadamente US$ 65.000 cada uma.

Seguir a trilha do dinheiro digital está ajudando a detectar, abalar e prender criminosos de alto perfil e suas redes. Em abril de 2019, a polícia mexicana prendeu Ignacio Santoyo, um notório traficante de pessoas ligado a uma rede de prostituição envolvendo cerca de 2.000 mulheres em toda a América Latina. As autoridades mexicanas o localizaram depois que ele comprou bitcoins suficientes para acionar um alerta sob uma nova lei no México que exige que plataformas de negociação de criptomoedas relatem atividades suspeitas envolvendo moedas virtuais. Além disso, ao realizar suas transações através de uma plataforma registrada, Santoyo deixou dados pessoais, como seu número de telefone e endereço, o que facilitou sua captura.

Os traficantes de pessoas estão complementando suas atividades online em termos de recrutamento, marketing e transações financeiras. Um relatório de julho de 2020 da Polaris, uma organização sem fins lucrativos que combate o tráfico de pessoas, descobriu que a moeda virtual era o segundo método de pagamento mais aceito em 40 plataformas no mercado de sexo comercial online. O Departamento de Justiça dos EUA descobriu que a moeda virtual está sendo cada vez mais usada para comprar e vender drogas ilegais em mercados negros da web e por cartéis de drogas para lavar o dinheiro de seus lucros.

O uso de criptomoedas pelas nações 

Os países reconheceram que a revolução da moeda digital veio para ficar e também entraram no jogo das criptomoedas. Alguns países já possuem moedas virtuais e vários estão explorando a possibilidade de introduzir suas próprias moedas digitais. De fato, o governo dos EUA tem sido um dos maiores detentores de bitcoins, como resultado de apreensões de ativos de lucros criminais virtuais de casos como o da Rota da Seda. São realizados leilões periodicamente para converter bitcoins em dólares americanos.

A popularidade das criptomoedas se deve em grande parte à sua natureza descentralizada. Elas podem ser transferidas de forma relativamente rápida e anônima, mesmo através das fronteiras, sem a necessidade de um banco que possa bloquear a transação ou cobrar uma taxa. Dissidentes em países autoritários levantaram fundos em bitcoins para contornar os controles do Estado. Enquanto isso, nações desonestas como o Irã e a Coréia do Norte estão usando cada vez mais a criptomoeda para evadir as sanções dos EUA e superar o acesso limitado ao dólar americano. Mesmo grupos terroristas como o autoproclamado Estado Islâmico, a Al Qaeda e a ala militar da organização palestina Hamás arrecadam fundos e financiam suas redes com criptomoedas.

Na América Latina, a adoção de criptomoedas pela Venezuela e El Salvador levantou preocupações sobre o uso dessas moedas digitais para facilitar os fluxos financeiros ilícitos, evadir sanções econômicas e contribuir para a instabilidade econômica. Como a hiperinflação e as sanções dos EUA exacerbam a crise econômica da Venezuela, a criptomoeda está surgindo como uma forma de fornecer aos venezuelanos, no país e no exterior, serviços que o sistema bancário tradicional não oferece. Tornou-se uma ferramenta útil para enviar remessas, proteger os salários da inflação e ajudar as empresas a administrar o fluxo de caixa em uma moeda de depreciação rápida.

Em resposta ao lançamento do petro, a Administração Trump emitiu uma ordem executiva em 18 de março de 2018, proibindo todas as pessoas e residentes dos EUA de fazer transações em moedas digitais emitidas pela Venezuela. Isso aumentou as sanções existentes nos EUA e a campanha de máxima pressão contra o regime de Maduro. Embora os bancos ainda possam lidar com empresas privadas ou indivíduos na Venezuela, muitos evitam fazê-lo devido à percepção de risco regulamentar e sanções. Apesar dos esforços para popularizar o petro internamente para uso em lojas e postos de gasolina e com o punhado de parceiros comerciais da Venezuela, a moeda não foi universalmente adotada e a grave crise econômica continua na Venezuela.

Imagem ilustrativa de dois bitcoins comemorativos vistos em frente à bandeira nacional da Venezuela. (Foto: Artur Widak/NurPhoto via AFP)

O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, defendeu a adoção do Bitcoin, acreditando que isso facilitaria as remessas dos salvadorenhos no exterior a um custo menor e traria inclusão financeira, investimento, turismo e desenvolvimento para o país. As remessas estrangeiras representam 22 por cento do PIB do país, em sua maioria provenientes dos EUA; o Bitcoin também oferece uma via de acesso aos serviços financeiros para os 70 por cento de salvadorenhos que não têm conta bancária. A lei salvadorenha sobre o Bitcoin faz com que os impostos sejam pagos nessa moeda, obriga todas as empresas a aceitá-lo e abre o caminho para que o governo desembolse subsídios utilizando-o. O governo criou uma rede de 200 caixas eletrônicos de Bitcoin e um aplicativo de carteira digital Bitcoin, chamado Chivo, através do qual distribuiu o equivalente a US$ 30 em bitcoins a cada cidadão salvadorenho para pôr em movimento a economia de criptomoeda. O presidente Bukele afirma que 2,1 milhões de salvadorenhos usaram Chivo até agora, em um país de 6 milhões de pessoas.

Apesar de toda a atenção dada à nova economia digital salvadorenha, foram levantadas sérias preocupações sobre os riscos associados à legalização do Bitcoin devido à sua alta volatilidade, falta de regulamentação e abuso potencial por parte de lavadores de dinheiro e evasores de sanções. O valor recorde do Bitcoin ultrapassou US$ 68.000 em 10 de novembro de 2021 e atualmente está sendo negociado a US$ 37.000 (em 28 de janeiro de 2022).

A mudança para Bitcoin complicou o relacionamento de El Salvador com o Fundo Monetário Internacional, do qual está solicitando um pacote de ajuda de US$ 1 bilhão. Em junho de 2021, o fundo negou o pedido de ajuda de El Salvador para sua implementação do Bitcoin, citando a falta de transparência das criptomoedas, argumentando que a dificuldade de rastrear quem faz transações em bitcoins facilitou a atividade criminosa em outros lugares, bem como preocupações ambientais sobre o uso ampliado das criptomoedas, cuja produção requer grandes quantidades de energia.

Um mês após a introdução do Bitcoin como moeda de curso legal, os ladrões de identidade aproveitaram o processo de configuração da carteira do Chivo Bitcoin de El Salvador para enganar mais de 2.000 salvadorenhos em seu incentivo de US$ 30 em bitcoins para abrir carteiras digitais. Muitos salvadorenhos descobriram que outros haviam utilizado seus números de identificação nacional para registrar novas carteiras Chivo e roubar os bitcoins. Essa situação revelou que a tecnologia proprietária rapidamente implantada pelo governo não era segura e não podia validar as identidades daqueles que estabeleciam as carteiras Chivo. Isso contribuiu para o ceticismo público sobre o Bitcoin como moeda de curso legal em El Salvador e ilustrou os riscos negativos associados à decisão de “bitcoinizar” a economia salvadorenha. Apesar dos problemas iniciais com o lançamento, o presidente Bukele continua tão otimista sobre o Bitcoin que no dia de Ano Novo ele tweetou que acredita que o Bitcoin chegará a US$ 100.000 em 2022 e previu que dois outros países também adotariam a criptomoeda. É muito cedo para dizer se a experiência de El Salvador em adotar o Bitcoin como moeda nacional será um sucesso.

Para combater o uso abusivo de criptomoedas na América Latina

O uso crescente de criptomoedas pelos consumidores, Estados e redes ilícitas é inevitável na América Latina. Portanto, os governos da região devem elaborar políticas para proteger suas economias e garantir a incorporação segura de moedas digitais em seus sistemas financeiros:

  • Melhorar seu entendimento sobre as criptomoedas, seus atributos e suas vulnerabilidades a possíveis abusos.
  • Antecipar como as redes ilícitas estão explorando as criptomoedas para financiar suas atividades criminosas, tais como o tráfico de drogas e de pessoas; envolver-se em crimes cibernéticos; e lavar seus rendimentos.
  • Assegurar a proteção de dados com leis de privacidade enquanto promove a inovação financeira.
  • Criar novos mecanismos de supervisão e regulamentação para detectar ameaças cibernéticas, lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo e a sustentabilidade ambiental das novas tecnologias.
  • Promover a colaboração entre os setores público e privado para adotar efetivamente o uso de moedas digitais na região.

À luz da expansão das atividades criminosas no domínio cibernético, os governos da América Latina precisam investir mais em recursos humanos, financeiros e tecnológicos para alavancar a inteligência cibernética e financeira para melhorar suas operações de luta contra a criminalidade.

* Celina B. Realuyo é professora de Prática no Centro de Estudos Hemisféricos de Defesa William J. Perry, da Universidade Nacional de Defesa, em Washington, D.C. As opiniões expressas neste artigo são as da autora e não refletem necessariamente a posição do Centro de Estudos Hemisféricos de Defesa William J. Perry, da Universidade Nacional de Defesa, ou do Departamento de Defesa dos EUA.



Créditos Diálogo - Revista Militar Digital

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